sexta-feira, 23 de junho de 2017

Terceiro convidado da coluna PALAVRA DE CHEF, esse baiano filho de pai piauiense e mãe de origem italiana tem muita garra e não economiza nas palavras. Quem sabe devido à sua formação em Letras e do tempo que trabalhou como professor nas redes pública e privada de ensino. Fred adora conversar, comer e beber, coisas que faz muito bem no restaurante Casa de Fred, que mantém na própria residência de belo jardim em Pituaçu, ideia compartilhada com o filho e sócio Filipe e que foi incentivada pela filha mais velha Naiara e a esposa Nini. 
No cardápio autoral o sotaque baiano divide espaço com bem servidos pratos da cozinha contemporânea e fusion, com pegada mediterrânea, herança de suas inúmeras viagens. Sem esquecer de mencionar a adega para 500 garrafas. Acompanhe a entrevista exclusiva.

> Como define seu próprio estilo de Chef?
Sou ligado ao fato original, sem abominar as “atrações” técnicas que surgem e desaparecem, que surgem e ficam por algum tempo... e que surgem e são bastante discutíveis. Gosto de servir e fazer aquilo que passou a ser chamado de “comida de verdade”, em razão das muitas técnicas surgidas e transformadoras de produtos, o tal fato original, como carnes variadas da terra e do ar, legumes, hortaliças, pescados, moluscos, crustáceos etc... Gosto de dar o tom. De inventar pratos com argumentos. De oferecer comida gostosa e farta! De ter um bom produto na mão para ser trabalhado! Do ponto de vista comportamental sou centralizador, com muito receio de delegar sem me sentir absolutamente seguro em relação ao outro. Ou seja: será que ele ou ela está atento para tal detalhe, será que posso confiar, será que houve absorção da aprendizagem com responsabilidade? 
Muitas vezes, vi pessoas dizerem que entenderam e vi fazerem bem feito na minha presença. Em outros momentos, vi o contrário acontecer tendo a mesma pessoa como referência. Há casos, e muitos, onde o restaurante sai de cena por conta de delegações irresponsáveis ou precipitadas. Há que se observar a PESSOA em primeira mão, para depois ter olhos para suas qualidades profissionais, seus conhecimentos. Tenho tendência a trabalhar com quem, inicialmente, não sabe nada, mas está francamente disposta a aprender e com os maiores de todos os detalhes: responsabilidade, amadurecimento pessoal e compreensão! Gosto de quem veio de culturas fortes e valoriza essa cultura. Essas pessoas têm capacidade de entender o porquê das coisas. Não basta ter que fazer alguma coisa de uma determinada forma; tem que saber o porquê de estar fazendo assim! Isso, para mim, é o Nirvana... é a certeza do positivo, do certo. Se houver outra forma, normalmente há, e levará, também, ao positivo, ao certo... podemos implementá-la se estiver de acordo com nossos princípios, com nosso sistema de custos, operacionalidade e resultados!

> O que acha desse boom na gastronomia?
Interessante! Chamou para os holofotes pessoas que alimentam outras pessoas, que buscam fornecer o prazer de comer um bom prato, de celebrar a vida e ser um pouco responsável por esses momentos. Há um olhar mais atento para as composições alimentares do ponto de vista nutricional e do ponto de vista da saúde. Como em todo segmento, temos que enfatizar a nossa educação básica e pública para pensarmos em preparar melhores profissionais. E a Cozinha não está fora dessa ótica, na minha opinião. Estamos saindo da Cozinha para a sala da Casa Grande! Como numa sociedade escravagista, que fomos também os últimos a deixar de ser, esse é um momento relativamente novo, infelizmente. Mas chegou! Como se diz: “Antes tarde do que nunca”.
Apesar de termos nas nossas lembranças pessoas das mais variadas fases da nossa história sociocultural e história da própria vida e, na maioria das vezes, pessoas sem nenhuma educação formal em qualquer sentido, que conseguiam fazer a alegria de muitas famílias abastadas ou não, a partir das suas capacidades em cozinhar, em transformar de forma agradavelmente palatável alimentos dos mais diversos sem o reconhecimento explícito dos comensais, que davam parabéns aos anfitriões e, quando muito, diziam: sua empregada é maravilhosa. Empregada maravilhosa sem nome, sem rosto, sem os merecidos parabéns! Muitas dessas pessoas tiveram seus reconhecimentos através da labuta nas ruas, fazendo comidas de raiz para sustentar suas famílias. A comida de rua tem um papel muito forte na nossa realidade de cultura de alimentação fora de casa. Se prestarmos atenção, foram essas pessoas que estiveram em primeiro lugar diante dos holofotes. Esses holofotes, figurativamente, foram todos que tiveram a oportunidade de conhecer uma Salvador mais agregadora, menos violenta e mais confiável nas madrugadas das farras incessantes! A Europa foi muito mais atenta a esses detalhes, ao reconhecimento de quem fazia a diferença e a importância que essa diferença causava. 
Era prática nos séculos XVIII e XIX, até os dias atuais, chamar aqueles que proporcionaram uma bela refeição para aplaudi-los! Vivas à Catarina de Médici!!! Por outro lado, como vejo sempre como coisa séria, esta fase está sendo transformada para ceder lugar aos que, de fato, têm competência para assimilar mercados neste País, dentro dessa diversidade regional e cultural que temos. Isso, sem falar no contexto econômico no qual estamos vivendo. Em alguns casos, acho demasiado extravagante o “endeusamento” de alguns profissionais que fizeram das mídias uma ponte para o sucesso. O sucesso tem que estar no prato! O sucesso, para ser sucesso, tem que ser comido e lembrado. Por aqui, percebo que há muitas lembranças de restaurantes, mas sem nenhuma lembrança do que comeram. Então, temos uma situação onde o cliente parece ser tão midiático quanto o Chef – ou restaurante. Com um detalhe: o cliente vai se cansar. Normalmente, ele sabe o que quer. Devemos ter critérios para não entrarmos na vala da banalidade.

> Qual é o segredo de uma boa cozinha?
Consciência! Consciência para aproveitamentos com maestria; consciência no trato com os diversos insumos; consciência do que sabe ou não fazer bem feito; consciência com os recursos ambientais, consciência no entendimento das pessoas com as quais trabalha; consciência entre o certo e o errado; consciência para endurecer o comportamento e consciência para amolecê-lo!

> E qual é o grande pecado na cozinha?
O menosprezo com quem vai comer sua comida e a falta de planejamento.

> O que faz um bom prato? 
Bons produtos e fornecedores, com a aplicação correta das técnicas escolhidas e conhecimento dos utensílios adequados, além de experimentar, sempre!

> A alta gastronomia na Bahia tem futuro? 
Somos um dos poucos Estados brasileiros com uma forte raiz baseada na comida! Penso que vai depender muito do que seja o conceito de alta gastronomia e a aplicação desse conceito. Uma coisa penso que seja verdade: as espumas e técnicas moleculares podem se tornar somente uma curiosidade.

> O que já lhe aconteceu de mais divertido ou desastroso na cozinha?
Demorar uma eternidade para servir um lombo alto de bacalhau, depois de um pequeno incêndio na cozinha que atrasou tudo, e ainda por cima servir o bacalhau fora do ponto. Felizmente, o cliente entendeu e continua sendo nosso cliente! Isso já faz mais de onze anos!

Foto Divulgação

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